Há nove anos, comecei a escrever aqui para a Janela Publicitária uma série de perfis de profissionais do mercado publicitário que se destacavam e, claro!, tinham muito a dizer. Um deles foi o de Marcos Apóstolo, hoje VP de Criação e sócio da Binder – desde 2010. A entrevista foi a mais inusitada, por telefone, com ele dirigindo, uma aventura!
E também foi muito divertido! Apóstolo é a síntese do gente boa. Hoje, arrisco dizer, gente boa com muita personalidade. É o que você vai encontrar no texto que eu pedi a ele que escrevesse. Por que ele? Exatamente por tudo o que você vai ler. Alguém com humor, inteligência, conteúdo e, principalmente, que sabe sobre o que fala, e como fala.
O assunto poderia ser árido, não escrito pelo Apóstolo. Leia! E depois me conte se eu estou certa.
A IA que tememos: Inteligência Aposentada
Quando comecei a escrever o que vem a seguir (é longo, ok?), o início era assim:
“Este texto é sobre etarismo. Foi o que me pediram. Não me perguntem por quê. Levei de boa…”
Mas aí veio a notícia da morte do escritor Luiz Fernando Veríssimo. Perdeu a graça mas sobrou uma pergunta: não sendo o Veríssimo, reconhecido pela inteligência e talento, sofreria de etarismo por alguém do outro lado da mesa ou da tela?
Veríssimo morreu aos 88 anos, de pneumonia, após enfrentar um câncer na mandíbula e um AVC anos atrás. O etarismo não nos privou de sua genialidade; foi o corpo que cobrou seu preço. Como disse em uma de suas inúmeras frases geniais: “Não gosto que me imponham coisas, e a velhice é uma imposição, uma prepotência do tempo. Sou contra.”
Seguindo o pensamento do texto inicial, alertava que o título não era um ato golpista contra essa fantástica e polêmica tecnologia, mas um risco assumido: juntar neurociência, IA, etarismo e falar besteira, resguardado pela máxima “Dá um desconto. É a idade.”
Sim, a tal da idade. Aquela que, em diferentes períodos da vida, é alforria; noutra, condenação.
O jovem, na busca da sonhada autonomia: “Não vejo a hora de ficar mais velho…”.
E, quando mais velho, o contraponto: “Mas o importante é ser jovem de cabeça.”
Necessariamente, não — ser jovem não faz ninguém mais atual, nem os anos vividos tornam alguém mais sábio.
Mas vamos juntar os ingredientes nessa panela velha que faz comida boa — mas sem teflon, não dá.
Pesquisas recentes (ansiava por usar essa expressão) apontam que a perda de sinapses e da memória nas pessoas mais vividas (a ciência e os remédios alteraram a idade da velhice) pode ser minimizada pelo uso do cérebro em atividades intelectuais. Não garante, mas possibilita retardar o processo diante das perdas que a idade impõe da cabeça aos pés. Lembra da nossa musculatura — parou, perdeu? Algo assim.
Curiosamente, a IA, também vem sendo observada por este ângulo neurológico, gerando o termo “sedentarismo cognitivo” e a pergunta: quanto menos esforço mental fazemos, o que sobra para o cérebro?
Segundo o neurologista Sergio Jordy, da Academia Americana de Neurologia, “exigir tudo da IA segue uma neuroplasticidade adaptativa sem ativar as áreas da memória com a mesma regularidade, tornando-as mais fracas com o tempo”.
O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, um dos mais “cabeçudos” do mundo, aponta para “o risco de nosso cérebro começar a perder atributos e faculdades intelectuais fundamentais… se essa perda cognitiva e intelectual for acentuada…”
Ele usa IA há décadas e não a está vilanizando. Apenas lembra que, como toda grande tecnologia, alertas precisam ser dados, pois os benefícios e o deslumbramento bloqueiam nosso lado crítico. Google, MIT, sociólogos e psicanalistas, dizem que a conta pode chegar antes de envelhecermos. Ninguém pensou nos efeitos gerados pelas redes sociais e embarcou. Hoje, sabemos o que podem provocar no campo psíquico e físico. E o celular? Pois é.
Agora, o momento mais arriscado: o que, afinal, eu quero com IA e etarismo juntos?
Na verdade, se o etarismo vem da premissa da inviabilidade funcional de pessoas mais vividas e a IA pode produzir uma perda de capacidade cognitiva, não podemos estar diante de um fato comum entre os dois: a Inteligência Aposentada?
Pergunte ao ChatGPT sobre o etarismo e verá coisas como: “Ideias preconcebidas sobre a capacidade de aprendizagem ou a produtividade de pessoas mais velhas, levando à desvalorização de suas experiências e conhecimentos” ou “a valorização da juventude e a busca por uma imagem de ‘não envelhecimento’ também podem ser formas de etarismo, que se manifesta em um desejo ilusório de ‘parecer infinito’.”
Um sistema alimenta essa separação, e sabemos que, em ambos os lados, limitações existirão, mas impedimentos, necessariamente, não.
Sempre me empolguei com a troca entre gerações, que pode deixar de acontecer quando um jovem acha que não tem nada de novo para ouvir de quem viveu, e este acha que não tem nada a aprender com quem ainda vai viver. Fácil não.
Minha experiência em aulas e workshops de que participei, seja em cursos, seja na faculdade, sempre me mostrou que há mais possibilidades de se tirar preconceitos da frente quando conseguimos conectar as paixões de cada geração.
Não serão só as leis contra o etarismo — que devem existir como qualquer uma que combata todo tipo de discriminação — que irão mudar isso. Elas irão proteger e cobrar respostas (às vezes até punir), mas não serão suficientes para transformar mentalidades.
O digital surgiu como uma moeda de pressão nessa troca de quem pode o quê. Antes, os territórios a serem dominados — experiência, conhecimento e prática — levavam “uma vida toda”. Isso também dava um certo conforto e uma superioridade para manter posições e privilégios.
O digital inverteu essa lógica, pois, além de ser um campo novo e feito de mudanças permanentes, tirou a prepotência intocável de que o domínio vem da experiência e do conhecimento que só o tempo produz. A geração mais jovem encontrou um novo território para si e, nascendo e crescendo nele, construiu sua “independência” sobre a única medida que definia a autoridade entre gerações: o tempo.
Somos feitos de marcos que modificam radicalmente a nossa existência. Quando a tecnologia digital veio para as mesas, mãos e o dia a dia pessoal e profissional, relações e poderes entre as gerações tiveram que ser repensados.
Na busca pela sobrevivência, um grupo se defende pelo que viveu e o outro, pela exclusividade de representar o inovador e o atual.
Pensei nesses dois ícones: Bill Gates e Steve Jobs. A turma da garagem de jovens geniais que mudaram o mundo. Mas, e hoje? A idade deles depreciaria seus currículos revolucionários em nossas vidas e na economia mundial? Tipo “Olha, valeu, mas já deu pra vocês.”
O antológico discurso do falecido Jobs para formandos de uma universidade foi aplaudido — e não desprezado por sua idade. Ele foi a soma da ousadia da juventude com a prática de acertos e erros da maturidade.
Não somos eles. Não somos nem mais jovens nem mais velhos pelo fato do que sabemos ou não. Somos só piores ou melhores, inseguros ou falastrões, generosos ou egoístas, arrogantes ou abusados porque, em algum momento da vida, sofremos ou provocamos essa discriminação. Etarismo ou etarismo reverso? Adultismo, idadismo ou juvenismo?
O preconceito e o conflito de gerações não deveriam ser um Fla x Flu porque, em algum momento, a gente muda de lado do campo para defender o que antes atacava.
Para encerrar este texto — e não o assunto —, volto ao ilustríssimo Luiz Fernando Veríssimo, que, lá da sua vida privada em Porto Alegre, disse com precisão sempre genial: “Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.”
Perguntemo-nos sempre. Valeu, Veríssimo.
Marcos Apostolo – VP de Criação e sócio da Agência Binder
PS: No recente “Pequeno Manual Anti-Idadista – Uma obra do Coletivo “Velhices Cidadãs”, da Faz Muito Bem Editora, destaco uma frase da ótima introdução de Alexandre Kalache: “Com o tempo, a discriminação contra a pessoa jovem tende a passar, enquanto a discriminação contra a pessoa idosa só faz crescer”. Uma hora, a ela chega. E chega para todos.